domingo, 14 de maio de 2017

A astúcia é a arma do sertanejo', defende Jessier Quirino

Foto: JQ Produções/Divulgação
A simplicidade da vida no interior, a astúcia e a forma de falar do homem sertanejo são inspirações para a poesia do músico, arquiteto e declamador paraibano Jessier Quirino. Além de escritor, ele interpreta e atua os causos no novo espetáculo Xerém com graxa. "A minha poesia retrata um sertão que já nem existe mais. Ela encontra um ancoradouro no passado, que não é distante. Mas há algo saudosista para a realidade atual", explica Jessier em entrevista ao Viver

Xerém com graxa é um recital solo de 1h30 de duração, baseado na temática interiorana. O cenário, uma tela assinada pelo artista plástico Shico Leite, com 16m de largura por 5m de altura, permite que o público crie o ambiente lúdico para as histórias e personagens que ele conta. "Como bom sertanejo, Shico teve total liberdade para criar. Ele desenhou personagens e dei os nomes. Tem o Antônio Porqueiro, Bibi de Mané do Cego - o avó é o Cego e Mané é o pai - Dona Abigail, Dona Anorina e a jumenta Frodite. É muito comum as pessoas terem um passado antropológico atrelado ao nome", aponta.

No palco, Jessier tem o aporte da sonoplastia e da iluminação. Durante o show, ele encena um programa de rádio, com notícia e propagandas e há espaço para improviso. "Tive muita influência do rádio, esse lado imaginativo que o rádio instiga. Sozinho, tenho mais liberdade e não preciso que obedecer a rigidez de um fundo musical. Crio a espinha dorsal básica e vou costurando", explica o autor, que tem nove livros publicados, dois CDs e o DVD Vizinhos de grito

Entrevista

O formato do espetáculo se aproxima do stand up? E qual o limite do humor?
Não gosto de falar de stand up. Eu faço recital e conto causos. Tem uma diferença. Piada, tem de português, de papagaio, de presidente. O causo vem de uma "acontecência". Quando se usa o lado engraçado e não o trágico, nem o bonito. O bonito é bonito por si só. O feio gera uma série de histórias. Quando leva uma queda, dá para contar várias histórias a partir daí. Tudo que se falar do homem sertanejo rende. As próprias mancadas, as quedas dos seus cavalos. Já o stand up, faz a piada do dia. Torna-se algo muito ágil e quase na linguagem da internet. A gente logo esquece. O causo é uma coisa mais carinhosa, ela pede mais apego. 

Pensa em adaptar sua obra para o Facebook, Instagram e YouTube?
Acho importante o uso e tenho todas as ferramentas. Só não tenho tempo (risos). Vejo como algo positivo e irreversível. No Instagram, não posto fotografia minha em canto nenhum. Faço traduções poéticas e hilariantes de tudo que vejo. São extensões da minha poesia para a linguagem de Instagram. Acho até que os jovens obtém algum lucro, a partir do momento que encontram quem diga algo interessante e tenham elementos para pesquisar. 

O falar nordestino é alvo de preconceitos, mas há um recente prestígio conquistado por quem é do Nordeste. Como avalia essa aceitação?
Esse orgulho veio, na realidade, com a falência dos grandes centros - sul, sudeste e Brasília. O encantamento acabou. As pessoas negavam suas raízes e forçavam a base para cantar. Ir para o sul era aquele encantamento. Hoje, passam por dificuldades, pela violência, e eles voltaram para a realidade, para o barro de que foram feitos. Negavam por falta de educação. As escolas não dão o suporte para que se orgulhem da galinha de capoeira. Luiz Gonzaga foi responsável por divulgar a nossa nordestinidade. Ele fez sucesso no Rio e em São Paulo. Foram artistas nordestinos que levaram nossas riquezas para o sudeste. Passada essa temporada, a realidade é outra.

Qual é o mote do novo espetáculo?
O nome é Xerém com graxa. Aí você pergunta: Por que esse nome? Veja bem, eu busco muito o colorido e as notas musicais das palavras. Trabalhei em cima das palavras e da nordestinidade. Fui na palavra graxa pelo lado do humor, e minha poesia tem pitadas de humor. O xerém é para colocar o pé no território nordestino. A graxa é o excesso  da gordura da galinha que fica no prato pra se comer com xerém.  E foi isso. 

Você descreve o homem do campo em forma de poesia. Quais os temas recorrentes?
Na realidade, a temática que a gente aborda é a espirituosidade do homem do campo, que apesar das dificuldades, tem sempre bom humor. A astúcia é a arma do sertanejo, onde ele se desvencilha das dificuldades, como a seca. Através do humor também posso trazer algum tema político, gosto de usar esse viés para alfinetar e mostrar o lado caricato da política, sem ser partidário, mas sendo universal.

A modernidade chegou na roça e mudou a realidade das pessoas. Como serão as próximas gerações?
A minha poesia retrata um sertão que já nem existe mais. Ela encontra um ancoradouro no passado, que não é distante. Mas há algo saudosista para a realidade atual. A de hoje é bem diferente da que eu retrato. O sertao está desfigurado. Cresceu, do ponto de vista econômico, e tem coisas que não tinha antigamente. Isso influencia muito na qualidade de vida e no comportamento do sertanejo. A antena parabólica tirou as pessoas da calçada. Ainda tem aqueles idosos, de 80 anos, nas portas das casas. Quando essas pessoas morrerem, os filhos não vão botar as cadeiras, pois eles já estão na internet e na TV. Tenho encontrado uma resposta positiva do público que encontro pelo Brasil (Brasília, Maceió, Recife). São pessoa com raízes interioranas e que já têm filhos e netos e se estabeleceram nas cidades grandes a bastante tempo. 

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