Dizem que toda situação ruim deixa algo de bom. No caso da interrupção das importações de carros, a partir de 1976, a reação positiva foi o surgimento dos fora de série. Uns com design esportivo e semelhantes a tradicionais máquinas europeias; outros apostando no luxo de carrões dos Estados Unidos; e, ainda, meras adaptações de modelos já existentes das quatro “grandes” da ocasião: Chevrolet, Fiat, Ford e Volkswagen. Todos, porém, tinham uma característica em comum: eram feitos com o que havia disponível no país. Nada de fora.
Tudo por causa de empreendedores com muito talento ou empresas que queriam oferecer algo diferente ao brasileiro. Foi um movimento marcante da indústria automobilística, que avançou além da reabertura das importações, em 1990.
Por excesso de discrição, o trio prefere não ter os nomes revelados. O pai cuidou da parte jurídica da Miura por um bom tempo e, em função disso, sempre acabava indo para casa a bordo de um... Miura. Participou ativamente da exportação dos carros da marca para vários países mundo afora. Os dois irmãos, então ainda crianças, foram se apaixonando por aqueles carros de visual esportivo, mecânica VW e, como era tradição na fabricante gaúcha, boas pitadas de tecnologia, mesmo na época das vacas magras.
Por um bom tempo, esses carros nacionais foram muito desvalorizados, e podiam ser encontrados surrados, como pechinchas, um cenário bem diferente do atual. O trio passou a comprá-los e trazê-los de volta à originalidade. O Clube do Miura do Rio de Janeiro cedeu materiais da época e consultoria – por exemplo, ajudando a cumprir o objetivo inicial, que era comprar um Miura de cada modelo e ano de produção. Não demorou muito para a missão ser cumprida: todos os Miuras foram reunidos, ano a ano, o que rendeu uns bons 40 carros.
Mas, como ocorre com todo bom entusiasta por automóveis, o céu é o limite quando o assunto é coleção. Principalmente se tiver espaço e dinheiro disponíveis. Era hora de expandir para outros fabricantes nacionais contemporâneos. A ideia de aumentar a coleção para além dos Miuras acabou surgindo de maneira natural: muitas pessoas começaram a oferecer à família outros foras de série de fibra de vidro.
E chegaram não só os Gurgel (de vários modelos e adaptações, inclusive viatura policial e ambulância) e Pumas (diversos, até um de corrida, bem “surrado”) como também Adamo, Farus, Bianco, MP Lafer, Glaspac Cobra (réplica do Shelby Cobra), L’Automobile Ventura, Dardo, Squalo e outros. Na coleção ainda há espaço para outros veículos especiais da indústria nacional, como a van SR Ibiza, um par de picapes adaptadas pela própria Miura dentro da submarca BG, Ragge Califórnia, jipes Engesa e buggy BRM. Até chegar a uma peça que, talvez, seja uma das mais especiais do acervo: um dos menos de 15 Emme Lotus produzidos, já mais novo, do final dos anos 1990.
Da safra mais recente da coleção, uma dupla de Lobini H1 (o último oficialmente produzido também está lá), além de dois Troller T4, o modelo mais famoso da marca: um de meados dos anos 2000 e outro já recente, com câmbio automático e visual atualizado. Em um dos cantos, três minicarros infantis, entre eles um Puminha e um mini-Karmann-Ghia (primeiro produto feito pela Gurgel).
Nacionais de grande produção também foram bem-vindos. Um New Beetle Final Edition Cabriolet, que marcou a série de despedida do modelo, e um Fusca já de plataforma MQB e motor TSI integram a Garage Brazil – que soma algo ao redor de 150 carros, prontos ou em preparação.
A Volkswagen, aliás, domina. Além dos New Beetles, há meia dúzia de Fuscas, oito Kombis (Last Edition, Série Prata, Série 50 anos, ambulância interna da fábrica, ambulância de rua e uma que trabalhava em aeroportos como carro de apoio às aeronaves), três Gols (dois Série Copa, de 1982 e 1994), duas Brasílias, uma Variant II e um Voyage quatro portas argentino, dos últimos a virem para o Brasil.
A Fiat é representada por um 147 amarelo ainda do fim dos anos 1970, e a Ford, por algumas Rural, F75 e uma F1000, todas em perfeito estado de conservação. Aliás, tudo o que está exposto ali é digno de placa preta no quesito originalidade e conservação.
Restauração, fila de espera e novidades chegando
A Garage Brazil faz a restauração, reparação e manutenção dos carros com o apoio de serviços de terceiros, como pintura, tapeçaria e mecânica mais pesada. Cada restauração completa leva, em média, três meses, e as raridades só entram para o acervo depois de prontas ou ao menos apresentáveis. Há dez modelos na fila para restauração, como um Gurgel Itaipu elétrico e um raríssimo Mari Auto Cheda.
Espaço temático
Os carros prontos e restaurados estão abrigados em um galpão de 1.500 m² dentro de um condomínio residencial a cerca de 45 minutos da capital paulista. Do lado de fora, nenhuma identificação ou placa indica que ali está reunida a maior coleção de veículos fora de série do Brasil.
De enfeite, jogos de rodas de época, propagandas dos modelos e peças diversas de carroceria na parede, como a traseira de um Puma GTE, frentes de Gurgel e SM, meio PAG Nick servindo como prateleira, letreiro original que ficava na frente da fábrica da Santa Matilde, banners e pinturas temáticas.
Até o guincho usado para carregar os carros do acervo, de certa forma, é um fora de série: um Puma 7900, já da fase em que a marca estava sob a batuta da Alfa Metais Veículos (AMV), no fim dos anos 1990. Na companhia dele ainda estão um 4.T de cabine dupla, seu antecessor, além de um ônibus com chassis Puma e carroceria Caio.
A coleção Garage Brazil só pode ser visitada no Instagram (@garage_brazil). Ao vivo, está restrita a convidados. A família afirma, porém, que há planos em andamento para abri-la à visitação pública. O espaço está sendo aumentado e a previsão é de que, a partir de janeiro de 2024, serão aceitos pedidos de visita de grupos, escolas e empresas.
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